terça-feira, 19 de março de 2013

Dia do Pai


Finalmente chegou à cama. Depois do dia de trabalho cansativo só lhe apetece deitar e dormir. Dá uma, duas voltas. Ajeita a perna, o braço. Já está. Começa o bem merecido descanso.

De repente, um barulho. Algo irritante, embora pareça familiar. Cada vez fica mais alto, ou será o inconsciente ao lentamente acordar. Abre os olhos e vê a luz do dia. Um bebé a chorar. É o filho dele.
Apesar do barulho, um sorriso esboça-se na cara. Acordar com aquele som lembra-o a cada dia que é pai e que ajudou a trazer um ser para este mundo. Responsabilidade que sempre o assustou, mas que carregou às costas desde o dia em que soube da gravidez.
Sente um movimento na cama e vira-se. Lá está ela. A razão daquele som existir. Chega-se perto.

- "Eu vou lá amor. Dorme mais um bocado.", e pousa os lábios na sua testa.

Levanta-se, calça-se e vai a espreguiçar em direcção à porta. Está trancada. Ao estranhar, começa a rodar rapidamente. Nada. Aplica força com as duas mãos e nada. Num momento de ânsia vai contra a porta e com um estrondo abre-a.

- "Não tens aulas agora de manhã?!"

Dá um salto repentino e senta-se na cama, assustado e com uma respiração ofegante. Olha em frente e vê o seu quarto normal. O seu pai tinha entrado pelo quarto a dentro a gritar.

- "Sim, tenho. Já me levanto."

Num alívio, deixa-se cair de costas na cama. Respira fundo. E respira de novo. Era um sonho. Uma realidade paralela. Subtilmente cai do olho direito uma lágrima. Talvez ainda do sono. Mais um dia, mais trabalho. Fá-lo de boa vontade. Só com trabalho ele chegará ao seu sonho.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Cumplicidade

Respira que eu respiro contigo. Dá um passo que eu acompanho com os meus pés. Olhas para o vazio, mas eu vejo o mesmo que tu. Pensas no inimaginável, mas eu faço-te corar e rir ao perceberes que os nossos pensamentos se cruzaram.
Sintonia com harmonia que nos segura mutuamente em situações deprimentes. Uma cumplicidade que faz saudade, mas que ao mesmo tempo criou uma barreira intransponível. E quê? Para que servem os sonhos senão para ver, sentir, cheirar, tocar, saborear!.. o impossível que a actualidade nos impõe.
Os teus lábios vermelhos carnudos inundam a minha fértil mente de pensamentos ditos imundos, mas que me fazem voar mais alto que qualquer droga.
À primeira vista, assemelham-se a duas galáxias repletas de estrelas mais brilhantes que o sol. Ao voltar à terra, não deixam de brilhar à mesma aquela cor clarinha característica dos teus olhos.
As mãos mais suaves que alguma vez sentira, também te pertencem. Compará-las com a seda mais cara seria um elogio, para o tecido. Um simples toque na minha face é arrepio instantâneo e completo dos pés à cabeça. Tanto em mim como em ti.
Cada parte de um todo que se junta num conjunto que já me arrisquei a classificar de Perfeito. O errar é humano e eu comprovei-o. Comparar-te a algo perfeito foi incorrecto. Talvez num futuro distante a definição de perfeição consiga chegar aos teus calcanhares.

sábado, 2 de março de 2013

Relembrança


Uma bolacha. Uma no meio de muitas ainda na caixa das bolachas. Devem ter sido compradas recentemente, pois não as tinha visto ainda. Se soubesse não teria sido tão grande o choque.
Sempre gostei da minha memória e da capacidade de preservar momentos, frases, palavras e actos. Há coisas que nem uma fotografia ou vídeo conseguem guardar.
Um olhar bastou e o meu pensamento ficou dominado com aquela memória e tudo o que com ela foi preservado.
A sensação de conforto que se tem ao acordar de manhã. O calor da cama que foi aquecendo durante a noite. Saber que mesmo ao lado está aquela pessoa que adormeceu agarrada a ti. Cujas palavras te fizeram adormecer e agora ao ouvir Bom dia te fazem espreguiçar e esticar subtilmente para um abraço matinal.
Findo o abraço, uma leve comichão nas costas. Migalhas. Ao chegar à cama na noite anterior, alguém teve fome e decidira fazer piquenique na cama. E logo a seguir deparo-me de novo com a caixa das bolachas. A viagem pelo passado acabou.
Uma bolacha e o pensamento divagou. Horas de memórias relembradas em menos de um segundo, mas com todo o sentimento e paixão que tiveram no passado.